
e possível sticker para divulgação.
"Por exemplo, a linguagem poética surge das ruínas da prosa. Se é verdade que a palavra é uma traição e que a comunicação é impossível, então cada vocábulo, por si só, retoma sua individualidade, torna-se instrumento da nossa derrota e receptador do incomunicável. Não que exista outra coisa a comunicar; é que, tendo malogrado a comunicação da prosa, é o próprio sentido da palavra que torna puro incomunicável." - Jean-Paul Sartre
Em filetes a água escorre por meu corpo em sua suave dança. Alongo meu braço, tento alcançá-la. Ela escorre por meus dedos, fugas em sua fluidez. Foge-me das mãos, como você, como o tempo indomável, como a vida que se esvai por min.
A água escoa para dentro do ralo, pelas entranhas escuras dos encanamentos. Escoa para dentro de meus poros, do profundo de meu ser.
Invade-me com a força da correnteza de um rio. Pulsa com intensidade da torrente da rotina em minha corrente sanguínea. Transborda em min como a chuva, me imunda com a fonte de viver.
Por esse rio de minhas veias escoa a vida em seu passar. Arrasta para a margem de minha pele todas as vivências, experiências, folhas que flutuam, pedras que rolam, dores e alegrias.
Esse rio passa com a rapidez do tempo, cavando rugas sobre o terreno arenoso de minha face. Por esses sulcos escorrem todas as lágrimas das tristezas já passadas, o suor de todo o esforço, árduo e seco da minha tez.
Passam por mim as águas. Passa por mim a vida. Esvai-se na fluidez de um riacho, hoje já sereno.
Escorre por meu corpo o ultimo filete de água, e me tira para a última dança.
Franco Saldaña.
Renato chegou atrasado para “me visitar” hoje, detesto quando ele faz isto, ele tem plena consciência de que não há nada, além das paredes que me cercam, que são do meu interesse nesta instituição, quer dizer nada que me interesse nas atuais circunstâncias e diga-se de passagem nos últimos dias tenho sentido raiva de suas “visitas”, isto é, estou eu longe de minha família, num ambiente em que, além de minha consciência, não existem pessoas patologicamente lúcidas para trocar palavras, sinto falta até de conversas medíocres como aquelas sobre episódios de novela que ouvia ao acaso na fila do supermercado e não tenho nada para fazer o dia todo, há não ser sentar numa cadeira e esperar minha existência passar diante de meus olhos... Como sinto falta da rotina do trabalho! E o que mais agrava o que sinto pelo Renato é o fato de que ele está exercendo todas as funções que eram antes atribuídas a minha pessoa neste hospital, e o pior de tudo é que o meu afastamento, assim como meu ingresso nessas “férias de outono” foram discutidas abertamente com ele, porém eu tenho consciência de que precisava disto, pois o excesso de trabalho somado com meu constante acumulo de envolvimento com meus pacientes estavam esgotando minha saúde mental, o que me conforta é que ainda estou racional ao ponto de não deixar esses sentimentos de angústia, por estar nesta condição, abalar minha amizade com o Renato.
Não que isto seja fácil, pois nos últimos dias meu humor andou muito à flor da pele, quiçá o tempo em que estou exilado em meu quarto seja o grande ocasionador destas inconstâncias emocionais, e isso se agrava quando ele em algum lapso de camaradagem faz um ou outro comentário engraçado na tentativa de levantar minha força de vontade de encarar a situação, hoje, por exemplo, estávamos conversando após a consulta e ele me disse em tom de deboche “Que isto João, não se preocupe tanto com sua alta, você sabe tão bem quanto eu que isto era a única solução, encare isto como suas ‘férias de outono’”, mesmo com toda a minha racionalidade e temperança custou muito apagar a imagem que minha mente projetara de minha possível ação de pular sob seu pescoço com as mãos esganando-o bem com uma delas e fazê-lo comer todas suas anotações com a outra, juntamente com seus dentes é claro, esse pensamento não durou mais que três segundos, o suficiente para encaixar outro clichê com tom de deboche, na ânsia de acabar com a situação. O que me conforta é que ele providenciará uma nova limpeza ao meu quarto, já até perdi a conta de quantas vezes reclamei sobre o maldito cheiro de carne queimada que insiste em perfumar o ambiente, ele considera que foi um choque o acontecimento de dias antes de meu ingresso e que isto fez com que minha mente reproduzisse este odor com frequência. E por falar em limpeza, é engraçado como não me lembro de ter visto algum dos membros da limpeza nas últimas semanas em meu quarto e/ou próximo à janela de meu quarto, no entanto acho que essa conclusão é fruto de alguma possível paranoia na qual estou sempre me induzindo.