segunda-feira, 7 de março de 2011

Ana Anfetamina

Um pequeno feixe de luz oblíquo atravessava boa parte de seu quarto até encontrar suas costas, o pequeno feixe parte de uma das frestas de sua janela até encontrar suas costas, a pequenina luminosidade produzida parecia acariciar sua pele, com um brilho polido em sua face e um ar opaco em seus olhos que concediam um aspecto cadavérico a Ana, segundos depois suas pupilas começam a tilintar em sua íris, reviram o quarto em busca de emoções escondidas, talvez imersas entre os móveis ou refugiadas através das paredes, sua vista encontra apenas lençóis sujos de sangue, seringas usadas, garrafas de bebida, um cinzeiro jogado, filtros e cinzas de cigarros revoltos entre cartelas de comprimidos vazias. A primeira tentativa, de se levantar da cama foi totalmente falha, pois seus membros pareciam protestar contra toda uma existência de abusos e excessos, com um pouco de esforço consegue espremer seus músculos até conseguir colocar o queixo entre seus joelhos e abraçar suas pernas, a segunda tentativa, de expandir sua visão até o resto do quarto também é falha uma confusão em diferentes tonalidades de preto, todos os sentidos frustrados, com exceção da audição que, ora ou outra, é acariciada com o tilintar de seu mensageiro dos ventos.
Silêncio contínuo, o vento não mais trespassava as frestas de sua janela, calando o mensageiro, uma terceira tentativa, agora movimenta seu braço direito bruscamente encostando sucessivas vezes sua mão na parede na tentativa de encontrar o interruptor, sem sucesso, seus membros estão anestesiados por demasia, volta a se encolher no centro da cama, com seus pensamentos alvoroçados que a envolvem como em um manto, cai no sono.
Esta numa sala de aula, as paredes se tornam maiores cada vez mais, parecem intimida-la, o barulho de passos e as conversas nos corredores são como bombas caindo em seus ouvidos, o pouco que se encontrava escrito no quadro negro está sem nexo, borrões em branco e algumas letras misturadas,  ao seu redor estão colegas de diferentes períodos de sua vida, todos com olhares direcionados a Ana e sorrisos armados de comentários ácidos, os dentes aumentando com a mesma velocidade das paredes inundam seu corpo de saliva... suor, acorda transpirando em bicas e com o coração acelerado, demora alguns segundo até conseguir unir todas as lembranças de seu pesadelo e a primeira coisa que lhe vem a mente é que nunca foi tão bom estar acordada, se levanta da cama ainda meio atordoada, não tem ao mínimo "flashs" da noite passada, apenas um apagão entre a última dose da primeira garrafa de vodka e a terceira carreira de cocaína. Caminha até o banheiro, esquivando-se dos objetos espalhados por todo o seu quarto, prende seu cabelo em frente ao espelho e nota o sangue coagulado entre o nariz e seus lábios, abre o registro de seu chuveiro e sai por alguns instantes do seu banheiro, o suficiente para ligar seu aparelho de som, apertar um baseado e encontrar uma garrafa de vodka pela metade.
O baseado está pela metade e ainda não entrou debaixo do chuveiro, está apenas à contemplar a água cair e a fumaça se confundindo com o vapor, a garrafa de vodka já está em um quarto e por um momento lhe passou a idéia idiota pela mente de que comprar anti-séptico bucal era perca de tempo se o álcool possuía o mesmo efeito, é incrível como a música tinha a capacidade de lhe fazer sentir melhor, lhe fazer sentir viva,  sempre sentia que as notas poderiam entrar em seu corpo, possuir seu sistema nervoso ou até mesmo eleva-la a transcendência. Seu banho mal estava pela metade e a unica coisa que lhe passava pela cabeça era "qual vai ser o programa, hein?", afinal de contas seu quarto já estava alaranjado e isto queria dizer que mais algumas horas e a melhor parte da vida iria começar, a vida noturna, se enxuga lentamente, acende um cigarro e se dá conta de que seu suprimento de álcool tinha acabado, se troca rapidamente e pega uma quantia de dinheiro na sua carteira e desce as escadas pensando "hoje será uma noite regada a álcool e benflogins".


Samuel Bradinsky

Nenhum comentário: