terça-feira, 1 de outubro de 2013

Sísmico

Chão de barro batido
rompidos formigueiros
frenéticos jorram
feridas na pele

em rugas no solo
rachos na testa e olhos
em sulcos nos poros
se escondem os vermes.

rachaduras nas paredes
vazamentos, infiltração
as memórias insistem
me invadem em torrentes

me tomo em enchente.

Cacos no chão é o que vejo
retalhos de uma choça
ja craquelada se esfarela
não se reboca mais

um eu em estilhaços.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Nikola, sua fogueira.


          No meio de vários nomes, nos créditos de um desses filmes que se vê nas madrugadas insones, eu vi esse nome: Nikola.
          Em uma lufada de vento me veio a lembrança de um jardim de infância em uma chácara, meu pátio de tantas aventuras, velejando em cima de árvores os sete mares dos céus e quebrando ondas de nuvens. Memória dessa escola, onde fui educado livre, colhendo frutas de um pomar para o recreio, fazendo pão integral com minhas pequenas mãos ainda fracas, mas cobertas por mãos carinhosas, que modelaram em minha massa muito do que sou.
          Muito do melhor que descobri em min foi graças à você. Nikola: o sorriso mais gentil em um rosto coberto de barba. O homem que me ensinou ser o que sou, com sua paciência e dedicação. Além de um professor, um dos pais com que essa vida me presenteou.
          Na noite ainda consigo sentir ainda o calor da fogueira, e nós crianças em volta dela. O velho conto que que você sempre nos contava, Nikola, aquele da menina da lanterna. E de papel você fez para cada um de nós uma lanterna, que ilumina nossos os caminhos como fadas, ensinando que não devemos ter medo de trilhar nossos caminhos, na escuridão desse céu noturno.
          Nikola, hoje eu já adulto, não sei mais se tua chama, fogueira que acendeu a lanterna de tantas crianças, ainda queima. Mas eu tenho certeza que as lanternas que você acendeu ainda estão acesas, no peito de cada uma daquelas crianças que você educou.
          Amigos de tão longa data, os mais sinceros e fiéis que já tive um dia. As correntezas e  ventos do destino separaram nossos caminhos. Mas eu sei, que vocês ainda carregam aquela chama da lanterna consigo. Espero ainda poder ver o brilho da chama de cada um de vocês em forma de estrelas, onde vocês estiverem na imensidão desse céu, que ainda guarda nossas aventuras.

Fernando Cacciolari Menezes.

domingo, 3 de junho de 2012

O Tédio e o Estranho

          Dentro de um apartamento, num prédio de tonalidade bege claro padrão, a ociosidade contemporânea parece se personificar nos pensamentos deslocados de um jovem estudante de nome Augusto Angústia. Era inverno, tempo nublado. Tempo perfeito para as mais variadas disposições.
          Tentava se concentrar naquele texto, mas não conseguia por mais de alguns segundos. Fora assim que sucedeu sua pretensão: olhava as letras, visualizava palavras e,... Sentia a perna coçar, esquecia-se daquelas palavras lidas e, agora, imaginava coisas aparentemente desconexas às tratadas naquele texto em particular.
          “Essa história de que o ser humano é um ser social é uma besteira, algo natural não deveria cansar tanto!”. “O que fazer, né?”. A seguir, fabulou uma cena em sua mente no qual ele mesmo estaria tocando violão e cantando igual ao Bob Dylan. Interrompeu aquela cena, percebendo de sua fuga da realidade, coçou os olhos com a mão direita e voltou-se a leitura. Leu um tanto, foi ao banheiro, lavou o rosto e, mais uma vez, tentou continuar com sua tarefa, já mais inquieto que da primeira pausa: “O que estou fazendo? Lendo sem querer ler, me obrigando a isso. Busco o que neste texto?”.
          Não demorou em ele entender que o que buscava naquelas palavras estava escondido à sua volta, cada frase fez sentido quando deixou aquele fluxo que antes o atormentava, aliviar sua frustração... Encontrou naquela “fuga” não uma distração à toa, mas uma poderosa reflexão de suas escolhas. Seus dilemas afiguravam-se ao redor dele nas mais variadas formas, cada decisão sua estava centrada neste jogo existencial, agora sua vida era coerentemente perturbada, em todos os momentos nosso amigo se via entre escolhas. Cada ato correspondia a uma possibilidade de saída do dilema por uma de suas vias, não havia neutralidade em suas escolhas. Não havia mais passado ou futuro em suas preocupações, estes não lhe preocupavam, estava suspenso no constante devir, queria ajustar-se ao passar das horas. E assim, imaginando como deveria ser seu retrato frente ao tempo, passou alguns minutos de seu dia, só divagando.
          Até que, desapercebeu-se do mistério de sua vida quando lhe propuseram outro mais interessante. Sem poder respirar profundamente, a única conclusão que nosso herói sem extravagâncias chegou foi, simplesmente, que há uma terrível descontinuidade na ruptura com a, como ele mesmo diria, “necessidade que nos é imposta pela própria vida”. Sem se distrair com aquelas propagandas que tocam a alma, Augusto enfim entendeu... que é melhor não tentar entender por que a vida ora nos impõe essa necessidade de nos recolhermos em nós mesmos (suspender os sentidos) e ora nos obriga a voltar-se para com o esperado de nós (obrigar os sentidos). Após esse amadurecimento, o um-pouco-mais-sábio Augusto voltou a notar a derradeira passagem dos segundos, dos minutos, dos dias em vão, tornou a se preocupar com sua maneira de lidar com as coisas.
          Não dependia de mais ninguém para sair e desbravar aquele mundo tão cheio de aventuras inspirava-se sempre quando pronunciava, num coro com sua expiração, tal palavra... “aventura...” “Ah, que dureza de se agrilhoar ao conforto enganoso!” É, para nosso querido amigo de sobrenome duvidoso nada é verdadeiro se a mente está lenta, sem rítmica, escondida e na defensiva diante do mundo.
          “Já passou mais horas”, Augusto constata, e muitas mais deslizaram para ele, pulavam em seu colo uma após a outra, sincronicamente ao movimento da programação televisiva, até que suas pálpebras finalmente cedem. Entra naquele estado semi-onírico, no qual a desorganização mental aparece um pouco antes do dormir de fato: É um balde de signos prontos para a farra. Aproveitam a ausência de uma autoridade para inventarem suas narrativas cheias de inquietude que reverberam mais tarde, na alvorada da consciência letárgica e tranquila. Só que, lamentavelmente, como as lágrimas de ternura enxugadas como a água suja que lavamos das mãos; os signos em seu estado natural de euforia (e no maravilhoso caos que far-se-ão duvidarmos de nossa vivência), são expurgados do corpo. Antes sereno, em sua não realização diária. Em sua inconsistência sensorial, fluidez. Porque não presenciar a própria imaginação, que é o sonho não sonhado ou forçosamente esquecido?
          Augusto vivenciou um momento como aquele numa tarde fria de Julho, no seu sofá desgastado e sujo. Acordou meia hora depois, e sentiu uma intensa onda de calor vindo de suas entranhas, relaxado, passa a refletir consigo mesmo:
          "Talvez chova", - por que antes de chover não havia desculpas.
          "Acho que eu vou beber um pouco daquilo", - não, isso não será suficiente!
          "Ah, como eu queria poder conversar com aquela moça bonita!" - Não seja tolo, ser avulso do mundo!
          "O que tem ali?" - Um mero reflexo de seu desespero, eis o que tem ali.
          "Hum, acho que um café, vou tomar um café." - Isso, talvez assim você se anime.
          "Ai, mas está frio e é longe, não sei, acho melhor ficar aqui mesmo" - Meu Deus, quanta negatividade!
          "Deixa para outro dia" - Vivendo pelo dia seguinte, a melhor maneira de desperdiçar a vida.
          "Ai já deve estar passando aquele programa!" - É um caso perdido mesmo, tanta coisa acontecendo no mundo. Pff, não sei por que diabos te colocaram no mundo se você tem medo dele!
          - Até a luz tênue refletida pelos seus olhos parece entristecer-se, tome jeito!
          Na sala ruidosa, pouca coisa se movimenta. Aqueles olhos angustiados de Augusto dançam com a luz que passa pelo infinito de cores naquela caixa de vidro e se aloja instantaneamente na imaginação e, tão logo mingua e se desfaz na escuridão da noite intermitente que é a mente sem retorno.
          Um breve movimento do dedo indicador transfigurou uma realidade, quando voltou a mirar o olhar para a tela, seus olhos sentiram um calor intenso que logo reverberou a fundo pelo seu corpo e por um segundo sentiu seu espírito mais próximo ao corpo. Era gracioso, profundo, eterno um segundo.
          Depois, tudo se apagou. Todas as luzes se esfriaram. A mente foi cindida novamente, corpo inanime e espírito deformado.
          Agora não mais dançam, são sombras buscando a própria sombra no vazio, não sabem onde procurar, tudo é inconstante e frio.
          Sublime desespero, energia que anima. Verteu-se no sangue a fúria, o desapego de sua prisão.
          No corpo inquieto paira um espírito com dores e pura ânsia o consome.             
          A fuga converteu-se em pura ação.
          Corre, xinga, tropeça na cadeira e cai. Humilha-se.
          Não anda como gente, se rasteja como uma barata moribunda.
          Quer escuridão perpétua, deflagra-se no canto mais escuro sua ternura.
          Ó atrofiado corpo humano, quão aguda é sua dor!
          Dopado singelamente pelo calor que consome ali seu ser orgânico, sente-se avulso das dores humanas.
          Ali terminaram... as vozes figurativas... as preocupações torpes.
          Foram densos, incansáveis.
          Goles.
          Diminuiram a cada pausa. Tempo precioso. Tempo de loucura, forjou no fogo as sombras solitárias. O corpo deformado de Augusto e o espírito inânime, avulsos e impuros. Do fogo, renasceu a Angústia da alma sem torpor.

Por Renato Bradbury

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

terça-feira, 12 de julho de 2011

Dia após dia.

Dia após dia, a dona de casa varre o chão.
Bate os tapetes persas, espana os móveis
luta contra a sujeira de sua existência
imunda, inútil, insignificante.

Dia após dia a poeira insiste em impregnar
os vasos de porcelana com tulipas de plástico.
Ela diz que são práticas, não precisam de água
pois nesse lar não há vida para se cultivar.

Dia após dia a poeira insiste em cair ao chão.
Células mortas que escamam de um ser sem sentido.
Corpúsculos moribundos, grãos de uma ampulheta
que contam as horas do fim, a cada gão derramado.

Dia após dia a dona de casa varre o chão
colhe do túmulo seu próprio cadáver em partes.
Sementes inférteis derramadas ao assoalho
frutos podres de uma vida vazia.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Apenas um belo lar. (Prelúdio de uma vida exemplar)

Vidas vazias amontoadas em concreto.
Uma em cima das outras em apartamentos
em mobílias novas, lustres de cristal
frutas de cera no arranjo da mesa,

paisagem morta.
Concreto e ostentação.

Vidas sem vida.
Apenas aparências.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Hemorragia Existencial

Em estrondo se esoura a janela,
estilhaços de vidro pelo chão.
Adentra a noite negra em corvo,
que pacientemente espreita o ato.

O espelho revela um rosto disforme
não reconheço mais um humano
nestas rugas que me cobrem

Me faço um estranho,
para min mesmo

Olá, prazer em conhecê-lo
me chamo ninguém.

Em fragmentos se desfaz o espelho
reflexo de uma imagem hedônea falsa.
Memórias em cacos pelo assoalho.

Descasco minha pele aos poucos,
corvo que destroça a carcaça,
detritos de minha crosta pelo chão

O sangue me cobre a face
e me vejo vermelho, crú

Me enxergo como sou, nú
carne pulsante, podre e mortal.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Multi Dantes

Multi dantes/ Grandes faces/ Sorrisos amarelos/ Sol branco/ Alvejando tudo que quero deixar em escuro/ Perpetuo viajante/ Eterna piada/ Sentido?/ O futuro que me cerca de paredes/ Labirinto assombrado/ E o quente caminhar/ Que deixei no passado me acompanha/ Para me dizer o que todos dizem/ Sorria esta sendo filmado/ Alma do desconsolado/ Solidão do porão/ Tela dos desesperados/ Vida dos encharcados/ Lagrimas escorrem/ Corro em meias molhadas/

Mundolandia

E desculpe se de longe eu caminho Mas é uma estrada a ser construída E nela vou caminhar Mas são poucos que vivem para falar Das asperezas causadas pela construção dos passos Não quero dizer que estou sozinho Mas sim Que quando eu estiver com você Quero o melhor de mim Para o melhor de todos É engraçado Por que quando estou só quero com você Conversar E quando quero conversar Quero pensar em você E em todos que fazem esse mundo girar Mais louco que eu Esse mundo não caminha Mas se vai em dança rouca E nessas nos engole Consome e nos faz cada vez menores Mas eu sei que é pra manter a segurança De uma grande maquina que nunca para Que nunca apaga E sempre diz Compra consuma e se venda No final todos só querem se vender E quem quer se encontrar e encontrar algo Se perde. E quem caminha vê a dança E caso dançe, faz sozinho A procura de outros caminhantes Vagantes que só se acham No interlúdio do mundo Essa grande dissonância Essa grande mudança

segunda-feira, 7 de março de 2011

Ana Anfetamina

Um pequeno feixe de luz oblíquo atravessava boa parte de seu quarto até encontrar suas costas, o pequeno feixe parte de uma das frestas de sua janela até encontrar suas costas, a pequenina luminosidade produzida parecia acariciar sua pele, com um brilho polido em sua face e um ar opaco em seus olhos que concediam um aspecto cadavérico a Ana, segundos depois suas pupilas começam a tilintar em sua íris, reviram o quarto em busca de emoções escondidas, talvez imersas entre os móveis ou refugiadas através das paredes, sua vista encontra apenas lençóis sujos de sangue, seringas usadas, garrafas de bebida, um cinzeiro jogado, filtros e cinzas de cigarros revoltos entre cartelas de comprimidos vazias. A primeira tentativa, de se levantar da cama foi totalmente falha, pois seus membros pareciam protestar contra toda uma existência de abusos e excessos, com um pouco de esforço consegue espremer seus músculos até conseguir colocar o queixo entre seus joelhos e abraçar suas pernas, a segunda tentativa, de expandir sua visão até o resto do quarto também é falha uma confusão em diferentes tonalidades de preto, todos os sentidos frustrados, com exceção da audição que, ora ou outra, é acariciada com o tilintar de seu mensageiro dos ventos.
Silêncio contínuo, o vento não mais trespassava as frestas de sua janela, calando o mensageiro, uma terceira tentativa, agora movimenta seu braço direito bruscamente encostando sucessivas vezes sua mão na parede na tentativa de encontrar o interruptor, sem sucesso, seus membros estão anestesiados por demasia, volta a se encolher no centro da cama, com seus pensamentos alvoroçados que a envolvem como em um manto, cai no sono.
Esta numa sala de aula, as paredes se tornam maiores cada vez mais, parecem intimida-la, o barulho de passos e as conversas nos corredores são como bombas caindo em seus ouvidos, o pouco que se encontrava escrito no quadro negro está sem nexo, borrões em branco e algumas letras misturadas,  ao seu redor estão colegas de diferentes períodos de sua vida, todos com olhares direcionados a Ana e sorrisos armados de comentários ácidos, os dentes aumentando com a mesma velocidade das paredes inundam seu corpo de saliva... suor, acorda transpirando em bicas e com o coração acelerado, demora alguns segundo até conseguir unir todas as lembranças de seu pesadelo e a primeira coisa que lhe vem a mente é que nunca foi tão bom estar acordada, se levanta da cama ainda meio atordoada, não tem ao mínimo "flashs" da noite passada, apenas um apagão entre a última dose da primeira garrafa de vodka e a terceira carreira de cocaína. Caminha até o banheiro, esquivando-se dos objetos espalhados por todo o seu quarto, prende seu cabelo em frente ao espelho e nota o sangue coagulado entre o nariz e seus lábios, abre o registro de seu chuveiro e sai por alguns instantes do seu banheiro, o suficiente para ligar seu aparelho de som, apertar um baseado e encontrar uma garrafa de vodka pela metade.
O baseado está pela metade e ainda não entrou debaixo do chuveiro, está apenas à contemplar a água cair e a fumaça se confundindo com o vapor, a garrafa de vodka já está em um quarto e por um momento lhe passou a idéia idiota pela mente de que comprar anti-séptico bucal era perca de tempo se o álcool possuía o mesmo efeito, é incrível como a música tinha a capacidade de lhe fazer sentir melhor, lhe fazer sentir viva,  sempre sentia que as notas poderiam entrar em seu corpo, possuir seu sistema nervoso ou até mesmo eleva-la a transcendência. Seu banho mal estava pela metade e a unica coisa que lhe passava pela cabeça era "qual vai ser o programa, hein?", afinal de contas seu quarto já estava alaranjado e isto queria dizer que mais algumas horas e a melhor parte da vida iria começar, a vida noturna, se enxuga lentamente, acende um cigarro e se dá conta de que seu suprimento de álcool tinha acabado, se troca rapidamente e pega uma quantia de dinheiro na sua carteira e desce as escadas pensando "hoje será uma noite regada a álcool e benflogins".


Samuel Bradinsky