domingo, 10 de janeiro de 2010

Pensar mecânico

Na rotineira ação de tomar o bonde toda manhã, acendo um cigarro por prazer solitário. Após uma longa tragada, a nicotina se instala em meus pulmões fazendo as engrenagens de minha mente girarem. A fumaça flutua em espirais pelo ar fundindo-se com meus pensamentos absortos.

Vejo o sopro de minha vida se esvair pelos meus pulmões junto da fumaça exalada. Quanto tempo de minha existência um cigarro pode me tragar? Horas, dias, meses, não sei ao certo. Quanto desse tempo vale o breve prazer de uma tragada? Com certeza mais que o tempo perdido esperando a condução. De que vale viver, carregar no dorso tantos traumas e decepções, porém resistir a tentação de desfrutar dos mínimos prazeres e alívios terrenos como uma trago de viver que bebo em uma tragada de tabaco? A morte chega, sim, carregada pelo remorso que rói os ossos. Chega tão certa quanto o ultimo trago do cigarro.

Corro os olhos ao pulso, procurando as horas. Os ponteiros petrificados. As horas dissipam-se pelo ar junto da fumaça. Perdi minha vida nas horas de trabalho não pagas pela mais-valia. A vida se perdeu pelas vielas das horas. Perdi o bonde. O tempo não existe, nunca existiu. São apenas números, medida estipulada pela espupidez megalomaníaca humana de possuir o controle sobre do imprevisível.

Enfim chega o coletivo, entupido de corpos moribundos. Magnetizado, me acoplo ao automovel como todas as peças alí presentes, que no desgaste do atrito de suas existêntias, cinéticamente são fadadas a fazer funcionar a grande máquina que as comanda.


George Samsa.

3 comentários:

Anônimo disse...

Muito massa!


Shisuii

Cacciolari disse...

muito obrigado pelo apoio e elogios!
isso nos incentiva a escrever ainda mais e melhor

Suzein Krieger disse...

George Samsa é doentio;
adoro os doentes.