quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Sanatório, Parte 1 - O Diário

Já faz treze dias desde que me enfiaram nesse buraco escroto e o ápice de todas as minhas incertezas até este momento é que sequer ao mínimo informaram sobre minhas condições patológicas. Bipolaridade ou depressão?... se bem que isso já deixou-me de ser uma preocupação, tendo em vista que nesse boeiro imundo a última coisa que atribuem valia seria no caso a sanidade, como minha consciência ficaria grata caso meu esteriótipo de "louco comedor de merda" fosse apenas uma pequena partícula de realidade nesse asilo. No dia em que eo fora despejado neste antro já ocorriam histórias de que dois dias antes da minha vinda um dos internados teria ateado fogo em algum infeliz dentro da ala C, e o pior de tudo é que ainda por vezes consigo sentir o cheiro de carne queimada quando alomoço, a única coisa que ainda tenho ânimo para fazer diante de tanta podridão é tentar manter minha mente limpa... ao máximo, e receber alta por bom comportamento ou qualquer brecha similar, só espero não me tornar semelhante a internada do 37B, que todas as manhãs arruma suas malas e se dispede de metade do asilo, alegando ter recebido alta. se ao menos eu tivesse a mísera felicidade do acaso me presentear com alguma existência sóbria, sã, em plena consciência de sí, para um diálogo... nem que seja palavras jogadas ao vento, quisera eu, as enfermeiras serem um tanto quanto mais compreensivas e que não somente tenham como intenção me ludibriar com seus medíocres discursos que se resumem em meu trabalho é apenas ter a certeza de que os medicamentos receitados desçam goela abaixo, nem as faxineiras se arriscam mais à limpar os quartos na presença de algum internado após o último incidente no qual os retardados mentais da ala F molestaram sexualmente uma de suas companheiras com o auxílio de uma faca.

O tempo parece não existir entre essas paredes, nenhuma medida a ser tomada como margem, nenhuma distração oferecida aos meus olhos para que os passos do tempo se acelerem, acaso não fosse os banhos de sol regulares, sinceramente não sei o que seria de minha percepção temporal, se bem que já fazem dias que me recuso a sair para além daquela fria e rígida maçaneta, prefiro a serenidade de meu quarto individual, com minha cama, minha cômoda e minhas paredes, tudo com um nível de branquitude ímpar, tão confortante e ensurdessedor. E pensar que ainda tentei, na primeira semana perambular pelos corredores à conversar com os internos na esperança de encontrar algum fragmento razão escondida querendo se expor, minha ânsia fora tão avassaladora que até cheguei a participar das atividades coletivas diárias, o mais estranho foi que quanto mais me aproximava dos internos, mais sentia a insanidade penetrar em minha pele, se alojar em meus poros, passar pelas minha papilas gustativas, vez ou outra até se misturará com o odor de carne queimada. Se existe um paraíso nesta desprezível colônia de férias sem sombra de dúvidas é meu quarto, isto quando algum demônio não vem roubar minhas maçãs através dos gritos abafados de algum paciente incontrolado que foi convidado a repousar por algumas horas, ou dias no quarto acolchoado.

E pensar que meus planos, em contraste com minhas atuais circunstâncias se resumem num profundo mergulho dentro de mim, já não me iludo nem com espectativas, volta e meia me encontro numa cama e o pouco que me resta dos sonhos, não me lembro mais, quisera que meu instante seja hoje algo mais que uma lacuna.




23 de Maio


João Augusto de Oliveira

2 comentários:

Anônimo disse...

Quando puder ou quiser visite o meu blog, fala sobre depressão e transtorno bipolar... Talvez possa lhe ser util. Abs e boa sorte.

http://bipolarbrasil.blogspot.com

Anônimo disse...
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