sábado, 12 de fevereiro de 2011

Sanatório, Parte 2 - O Diário

Renato chegou atrasado para “me visitar” hoje, detesto quando ele faz isto, ele tem plena consciência de que não há nada, além das paredes que me cercam, que são do meu interesse nesta instituição, quer dizer nada que me interesse nas atuais circunstâncias e diga-se de passagem nos últimos dias tenho sentido raiva de suas “visitas”, isto é, estou eu longe de minha família, num ambiente em que, além de minha consciência, não existem pessoas patologicamente lúcidas para trocar palavras, sinto falta até de conversas medíocres como aquelas sobre episódios de novela que ouvia ao acaso na fila do supermercado e não tenho nada para fazer o dia todo, há não ser sentar numa cadeira e esperar minha existência passar diante de meus olhos... Como sinto falta da rotina do trabalho! E o que mais agrava o que sinto pelo Renato é o fato de que ele está exercendo todas as funções que eram antes atribuídas a minha pessoa neste hospital, e o pior de tudo é que o meu afastamento, assim como meu ingresso nessas “férias de outono” foram discutidas abertamente com ele, porém eu tenho consciência de que precisava disto, pois o excesso de trabalho somado com meu constante acumulo de envolvimento com meus pacientes estavam esgotando minha saúde mental, o que me conforta é que ainda estou racional ao ponto de não deixar esses sentimentos de angústia, por estar nesta condição, abalar minha amizade com o Renato.

Não que isto seja fácil, pois nos últimos dias meu humor andou muito à flor da pele, quiçá o tempo em que estou exilado em meu quarto seja o grande ocasionador destas inconstâncias emocionais, e isso se agrava quando ele em algum lapso de camaradagem faz um ou outro comentário engraçado na tentativa de levantar minha força de vontade de encarar a situação, hoje, por exemplo, estávamos conversando após a consulta e ele me disse em tom de deboche “Que isto João, não se preocupe tanto com sua alta, você sabe tão bem quanto eu que isto era a única solução, encare isto como suas ‘férias de outono’”, mesmo com toda a minha racionalidade e temperança custou muito apagar a imagem que minha mente projetara de minha possível ação de pular sob seu pescoço com as mãos esganando-o bem com uma delas e fazê-lo comer todas suas anotações com a outra, juntamente com seus dentes é claro, esse pensamento não durou mais que três segundos, o suficiente para encaixar outro clichê com tom de deboche, na ânsia de acabar com a situação. O que me conforta é que ele providenciará uma nova limpeza ao meu quarto, já até perdi a conta de quantas vezes reclamei sobre o maldito cheiro de carne queimada que insiste em perfumar o ambiente, ele considera que foi um choque o acontecimento de dias antes de meu ingresso e que isto fez com que minha mente reproduzisse este odor com frequência. E por falar em limpeza, é engraçado como não me lembro de ter visto algum dos membros da limpeza nas últimas semanas em meu quarto e/ou próximo à janela de meu quarto, no entanto acho que essa conclusão é fruto de alguma possível paranoia na qual estou sempre me induzindo.

Ultimamente também ando tendo sonhos tumultuados por demasia, porém esta não é a hora pra que eu começar a relatar os mesmos em minha “consciência escrita”, nem consigo defini-los, apenas ter vagas recordações de algo como uma fogueira, o mais intrigante é que vez ou outra esses sonhos conseguem me tirar o sono, espero conseguir recordar algo mais concreto que um esboço, isto seria uma maneira e
tanto de “diminuir minhas férias”.




09 de Junho


João Augusto de Oliveira

2 comentários:

Cacciolari disse...

a loucura desse conto
nos traga pra dentro dele
e nos faz insanos também.
ao tentar achar as respostas
nas lacunas mentais de João
encontramos ainda mais duvidas
dentro de nós, e nos perdemos
em pensamentos, tentando encontrar
o final dessa história ainda sem fim.

Großer disse...

Muito bom!Parabens :)