terça-feira, 28 de setembro de 2010

Mais um Dia de Trabalho

O horário de almoço mal chegara e Miguel já deveria ter olhado para o relógio de seu escritório inúmeras vezes, trabalhar em uma cidade vizinha era muito cansativo, acordava religiosamente todos os dias antes das seis horas, só assim conseguia passar seu café e ler as principais notícias do jornal enquanto travava épicas batalhas entre sua mente e o ponteiro dos segundos de seu relógio analógico. Todavia o salário era bem melhor que qualquer outro emprego que poderia encontrar em sua cidadezinha de cinco mil habitantes, só não mudara ainda para a cidade de seu trabalho porque tinha algumas responsabilidades emocionais com sua mãe que era viúva a menos de três anos, a coitada da velha mal conseguia digerir a idéia de morar em outra cidade que não fosse a que tinha passado os melhores momentos com seu amado, sentimento que misturava amor, angústia e desespero até certo ponto, sua mãe acordava todos os dias antes mesmo de ele acordar e passava horas e horas a rezar seus terços em homenagem ao defunto, após a dedicação espiritual alheia caminhava, as manhãzinhas relembrando os principais locais de seu relacionamento que se foi, como numa necrolatria sem fim.

Não era um dia muito movimentado em seu trabalho, e além do mais ele já tinha adiantado todo o trabalho da semana na segunda e terça, porém também não podia descansar, pois seu patrão aparecia em espaços de vinte e trinta minutos na porta de seu escritório, como um cão de guarda farejando e fiscalizando algum mau investimento salarial que poderia ser cortado e substituído por algum outro, e o melhor de tudo com no mínimo trinta por cento a menos de salário nos três primeiros meses. Quinze minutos para o fim de seu expediente, já conseguia sonhar acordado com sua cama que estava a dois quarteirões de seu trabalho mais algumas horas pacientemente sentado até o ônibus chegar em sua cidade, quando num surto de tarefas do cotidiano se lembrara que hoje era dia da missa de celebração póstumas pela morte de seu pai, não entendia porque sua mãe marcara essas missas a cada quinze dias, já até pensaram em pagar um psiquiatra para a velha, essa preocupação pós morte já estava ficando doentia, porém o catecismo havia lhe educado bem e tinha consciência de sua postura espiritual, além de guardar domingos e feriados Miguel participara de quase todas as iniciativas religiosas de sua mãe, afinal de contas “a caridade bem ordenada começa por nós mesmos”.

“Graças a Deus, estou há caminho de casa”, pensara Miguel enquanto entusiasmado escolhia algum dos poucos assentos que restara do lado da janela, era só o ônibus sair da cidade que já começava a lutar contra suas pálpebras para não cair no sono, esse cochilo poderia atrapalhar seu relógio biológico e fazer-lo se atrasar para passar o café do dia seguinte, mas hoje foi um dia diferente, Miguel mal esperava pela missa, não por sua espiritualidade aflorada, mas pelo fato de Ana – uma moça que foi sua namorada até o final do ensino médio – sempre ir à missa as quintas-feiras, se ao mínimo ela soubesse quantas vezes Miguel reconstruía o diálogo que possivelmente iria iniciar ao encontrá-la. Foi em uma das curvas que, enquanto Miguel pensara se era melhor pronunciar Ana ou querida, o motorista se deparou com um carro que estava vindo contra o seu sentido, na mesma pista, Miguel não entenderia quase nada, apenas sentiu um grande frio na barriga, seguido de um grande impacto – seu corpo estilhaçando o vidro da frente do ônibus, resultado da freada brusca – e uma luz serene e límpida lhe enchia o coração de paz, era o seu fim e Deus enviaria seus anjos para lhe conduzir em direção ao paraíso, ou apenas o farol do ônibus seguido das rodas desgovernadas que, espalharam seus miolos por alguns metros do asfalto.



Samuel Bradinsky

terça-feira, 21 de setembro de 2010

O Teimoso jovem velho

Havia de imediato uma vontade subida de corrigir e comprimir todos os erros do passado em uma pequena caixa e dizer para si mesmo :”Finalmente findei minhas dividas para com minha consciência!”

Listou e fez de sua consciência ferida, o mapa para chegar a uma redenção cega e plena de cansaço, e como troco, gerar dividendos para com o tempo.

Já o tempo, fora, restava as passagens caóticas em mente e a vontade de remediar... a tarefa é digna de honrarias...mas com entranhas permeadas de vergonha.

Como chorar? E para que chorar? O consolo dele não passava de apoio para si mesmo e uma maneira de sorrir sem fios de culpa...

Ao olhar nos olhos, caia em lamentações, que por mais românticas que pareciam, careciam dessa dor...mesmo sem forças mantinha-se firme,era necessária tal agonia?

Para que? Onde chegara com isso? E se chegar? Chegara pelo menos a metade de seu ser? Estará disposto a deixar tudo para trás?

Se sim...ai esta sua sina...sangrar em seus textos até sanar as mazelas de sua maturidade vagabunda e senil...